Coragem, o Cão Covarde

NOSSO BOM MENINO


Era um dia como qualquer outro em lugar nenhum. Muriel estava preparando o jantar para Eustácio e Coragem quando começou a se sentir muito tonta, a ponto de cair no chão. Coragem viu acontecer, e logo correu para tentar ajuda-la a se levantar.

Eustácio chegou reclamando e perguntando pela janta, quando percebeu que Muriel verdadeiramente não estava bem. Os três entraram no carro e então foram até o médico. O Dr. Vindaloo examinou Muriel brevemente, e então disse aos três:
— Não há com o que se preocupar. Vai passar logo.
— Mas que boa notícia. — respondeu Muriel.
— Agora, senhor Bagge, eu poderia falar a sós com o senhor por um momento?
— Ah, tá bom, tá bom. Muriel, leve o cachorro com você.

Muriel e Coragem então saíram da sala, mas então Coragem pode ouvir Eustácio responder ao médico com:
— E que doença é essa?

Coragem se assustou, e então começou a espiar pela porta:
— É uma doença muito grave e que age de forma rápida. Sua esposa já está no último estágio.
— Hã?
— Senhor Bagge, eu lamento, mas Muriel não estará entre nós por muito tempo.
— Como pode dizer isso?! O senhor disse que passaria logo!
— Eu não queria assustar Muriel, mas a razão disso é que ela dificilmente ela passará desta noite.

Eustácio ficou paralisado, e Coragem igualmente. Muriel, que estava sentada do lado de fora da sala, não fazia idéia do que estava acontecendo. Dr. Vindaloo então prosseguiu:
— Da próxima vez que ela adormecer, não irá mais acordar. Talvez seja melhor vocês ficarem aqui com ela esta noite em vez de voltarem para casa.

Eustácio continuou sem reação. Dr. Vindaloo então disse:
— Irei encaminha-la para o quarto ao lado. Seria bom se o senhor estivesse com ela.

Coragem saiu da sala do médico, arrasado. Não sabia o que fazer. Eustácio então saiu e em seguida o Dr. Vindaloo que disse:
— Muriel, poderia me acompanhar?
— Mas é claro doutor.

Os quatro então foram até uma ala médica, onde o Dr. Vindaloo disse:
— Por medida de segurança acredito que seja melhor que a senhora passe a noite aqui.
— Bom, se é por segurança...
— Por favor, deite-se.

Muriel então se deitou. O doutor saiu, e em seguida Muriel diz:
— Coragem, poderia me deixar a sós com o Eustácio por um minutinho?

Coragem então sai, mesmo que contra a sua vontade. Ele fica sentado em frente à sala, esperando uma resposta. Depois de um curto espaço de tempo Eustácio sai e diz:
— Ela quer falar com você.

Ele entre na sala. Muriel estava exatamente como ele a deixou. Coragem a salvara tantas vezes antes desta, mas agora parecia não haver jeito. Muriel fez sinal para que ele se aproximasse, e então começou a acariciar sua cabeça dizendo:
— Você é um bom menino, Coragem.

Os olhos de Coragem se encheram de lágrimas.
— Oh, não chore, Coragem. Vai ficar tudo bem.

Muriel então bocejou, e respondeu:
— Eu acho que já vou dormir. Boa noite, meu Coragem.

E Muriel fechou seus olhos, uma última vez. Coragem começou a soluçar de seu lado, sem conseguir fazer mais nada. De repente, sentiu uma mão tocar seu ombro. Era Eustácio, olhando fixamente para Muriel através de seus óculos. Ele então virou-se para Coragem e disse:
— Vamos pra casa.

Coragem não conseguia se mover, paralisado pela tristeza, e com vontade de não deixar Muriel. Eustácio então o segurou pelo ombro e levemente o levou para fora. Coragem não percebeu o que aconteceu a sua volta depois. Eustácio resolveu a papelada com o hospital, e quando se deu por si estavam os dois voltando para sua casa em Lugar Nenhum.

A casa e o velho moinho, que antes carregavam a presença de Muriel, agora pareciam estar vazios como um grande buraco. Eustácio continuou a comida de onde Muriel havia parado e pôs um prato também para Coragem. Coragem estranhou um ato de solidariedade vindo de Eustácio, mas só conseguia pensar em Muriel, tanto que mal comeu.

Foi para o lado de fora da casa, e encarando a lua começou a uivar enquanto lacrimejava sentado. Eustácio surgiu logo em seguida, sentando-se ao seu lado. Ele começou a acariciar a cabeça de Coragem e disse:
— Sinto a falta dela também.

Neste momento, Coragem percebeu uma lágrima escorrendo do rosto de Eustácio. Pela primeira vez, Coragem sentiu Eustácio expressando alguma coisa.
— Muriel nunca conseguiu ter filhos. Nós sempre quisemos, mas ela nunca conseguiu. Quando ela trouxe você pra casa nós nunca mais falamos nesse assunto. Ela te via como o filho que nunca teve, e desistiu de ter um filho comigo.

Coragem entristeceu. Então por isso Eustácio lhe odiava tanto. A presença de Coragem fez Muriel largar a ideia de ter filhos, a qual Eustácio nunca havia esquecido. Eustácio continuou:
— Ou era isso o que eu pensava... Sabe qual foi o último pedido dela?

Coragem acenou que não com a cabeça, e então Eustácio respondeu:
— Ela disse... tome conta do nosso menino. Tome conta do nosso Coragem.

Houve um breve silêncio. Lentamente, Eustácio se aproximou de Coragem e o abraçou dizendo:
— Não se preocupe Coragem. Eu estarei aqui pra você.

Coragem podia ouvir a respiração de Eustácio. Ele estava chorando. Ele ficaram ali por alguns segundos, até que Eustácio o soltou e voltou para a sua posição original, enxugando as lágrimas. Coragem então apoiou sua cabeça sobre a perna de Eustácio e fechou seus olhos. Eustácio então começou a acariciar a cabeça de Coragem até ele adormecer. Então Eustácio disse:
— Bom menino... nosso menino.

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